Diuretic Comparison Project (DCP) – Clortalidona Comparada à Hidroclorotiazida para a Prevenção de Eventos Cardiovasculares em Pacientes com Hipertensão

Autores:

Ishani A, Cushman WC, Leatherman SM, Lew RA, Woods P, Glassman PA, Taylor AA, Hau C, Klint A, Huang GD, Brophy MT, Fiore LD, Ferguson RE; Diuretic Comparison Project Writing Group. 

Publicado em:

N Engl J Med 2022; 387 (26): 2401-10. doi: 10.1056/NEJMoa2212270.
Epub 2022 Dec 14. PMID: 36516076.

Comentarista:

Professora Doutora Cibele Isaac Saad Rodrigues
Diretora Científica da SONESP
Vice-diretora do Departamento de Hipertensão da SBN
Professora Titular – FCMS – PUC-SP

Patrocinador do ensaio:

Programa de Estudos Cooperativos para Assuntos de Veteranos

Contribuição à Literatura:

O estudo DCP mostrou que não há diferenças que mudem a prática clínica, nos desfechos cardiovasculares entre clortalidona (CTD) e hidroclorotiazida (HCTZ) entre veteranos idosos (>65 anos) com hipertensão arterial sistêmica.

Descrição:

O objetivo do estudo foi avaliar a segurança e a eficácia da HCTZ comparada a CTD na melhora dos desfechos cardiovasculares maiores entre pacientes com hipertensão arterial sistêmica.

Design de estudo:

Os pacientes que já estavam tomando HCTZ foram randomizados de forma aberta 1:1 para CTD (n = 6.756) ou mantidos com HCTZ (n = 6.767).
Os pacientes em tratamento com 25 mg de HCTZ foram convertidos para 12,5 mg de CTD e 50 mg de HCTZ para 25 mg de CTD.

Critérios de inclusão:

Idade superior a 65 anos, em uso de HCTZ 25 ou 50 mg/dia, Pressão arterial sistólica (PAS) mais recente (no prontuário eletrônico) ≥120 mm Hg

Total de rastreados: 16.595
Total de randomizados: 13.523
Duração do acompanhamento: mediana 2,4 anos
Idade média: 72 anos
Porcentagem de mulheres: 3%
Negros: 15%
Outras características/características de destaque:
Índice de massa corporal médio (IMC): 32 kg/m2
Presença de diabetes: 44%
Infarto do miocárdio (IM): 8%
IAM ou AVC: 11%
Monoterapia com HCTZ no início do estudo: 13%
HCTZ + um anti-hipertensivo adicional: 34%

Introdução e métodos

Estudos observacionais anteriores sugeriram que o uso de CTD está associado a uma redução de eventos CV. As evidências para a HCTZ não são tão robustas. No entanto, estudos mais recentes sugeriram que não há benefício adicional para a CTD e que seu uso resulta em maior risco de eventos adversos, especialmente hipocalemia, lesão renal aguda e progressão de doença renal crônica.

Este estudo é o primeiro grande estudo clínico randomizado realizado para comparar a CTD com a HCTZ.
Tipo de estudo: multicêntrico (72 centros americanos), prospectivo, pragmático (point of care), aberto, randomizado e com dois braços.
Base de dados: Consulta aos registros médicos eletrônicos do Veterans Administration e de outras bases nacionais, após consentimento do paciente (por telefone) e do médico assistente. Os investigadores eram observadores passivos.
Tamanho amostral: 13.523 pacientes foram randomizados aleatoriamente para continuar hidroclorotiazida 25 ou 50 mg (n=6756) ou mudar para CTD 12,5 ou 25 mg (n=6797), consideradas doses equipotentes.

O desfecho primário foi MACE (eventos cardiovasculares adversos maiores), incluindo acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio, hospitalização por IC aguda, revascularização coronária urgente ou morte não oncológica.

Principais achados:

O desfecho primário, MACE, para clortalidona vs. HCTZ: 10,4% vs. 10,0%; (HR) 1,04, intervalo de confiança de 95% (IC) 0,94-1,16 (p = 0,45).
Para pacientes com infarto ou AVC prévio: HR 0,73, IC 95% 0,57-0,94 (p para interação =
0,035)

Resultados secundários para clortalidona vs. HCTZ:

Primeira internação por IM: 2,1% vs. 2,1%; HR 1,02, IC 95% 0,80-1,28 (p = 0,91)
Primeira internação por AVC: 1,2% vs. 1,2%; HR 1,0, IC 95% 0,74-1,36 (p = 1,0)
Primeira internação por insuficiência cardíaca: 3,6% vs. 3,4%; HR 1,04, IC 95% 0,87-1,25
(p = 0,4)
Hipocalemia: 6,0% vs. 4,4% (p < 0,001)

Interpretação:

Trata-se de questão clínica relevante e os resultados deste estudo mostraram que não há diferenças nos desfechos cardiovasculares entre CTD e HCTZ entre veteranos do sexo masculino, idosos (>65 anos) hipertensos e obesos. Entre os pacientes com infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral prévio, foi observado um benefício.
Por ser um estudo pragmático, este é um achado gerador de hipóteses e deve ser visto no contexto em que foi desenvolvido. Um achado esperado e observado foi hipocalemia significantemente mais comum com CTD.
Assim, até que se prove em contrário, a importância dessas diferenças permanece especulativa e devemos presumir que os eventos cardiovasculares serão reduzidos, possivelmente de forma semelhante, com diuréticos tiazídicos e tiazídicos-símiles, que são medicamentos importantes no controle da pressão arterial e que, ainda, são subutilizados na prática clínica.

Limitações:

Incluem o fato de ser uma pesquisa aberta (open label), com doses mais baixas de CTD e HCTZ do que normalmente associadas a benefícios cardiovasculares e com resultados obtidos de registros eletrônicos sem nenhuma padronização. Poucos pacientes estavam em monoterapia com HCTZ no início do estudo (antes da randomização). Não se sabe de que forma foi medida a pressão arterial nos diferentes centros (aparelhos e técnica). Além disso, só incluiu homens e idosos, o que não pode ser extrapolado para mulheres e para adultos não idosos. Os resultados dos estudo também podem ter sido afetados por medicamentos/doses concomitantes e adesão a esses medicamentos, aspectos não abordados pelos autores.